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100% Esporte 100% para Todes-Dr. Gustavo Bandeira aborda a homofobia no Futebol e na Sociedade

Por: Gustavo Bandeira,

Doutor em Educação pela UFRGS

Autor do Livro "Uma História do Torcer no Presente"

Editora appris 2019


É o tipo de coisa que um time de futebol não deve se preocupar: a neutralidade como ferramenta metodológica do conservadorismo


A bola rolou em 2021 pela Eurocopa de seleções 2020! Em alguma medida, “administrada” a pandemia da Covid-19 em solo europeu foi possível realizar o torneio um ano após o previsto. Além das disputas esportivas dentro de campo, a competição voltou a pautar a homofobia reinante no futebol de espetáculo, especialmente o jogado por homens. Na derrota por 3 a 0 diante de Portugal, torcedores húngaros dirigiram gritos homofóbicos contra o principal astro português: Cristiano Ronaldo. Uma faixa preconceituosa contra gays também teria sido visualizada no setor dos ultras húngaros.

Durante a competição, -que ao contrário de sua ocorrência histórica em um, eventualmente dois, país sede, dessa vez foi multisituada- a prefeitura de Munique solicitou à Uefa a autorização para iluminar a Allianz Arena antes do jogo entre Alemanha e Hungria com as cores do arco-íris em apoio ao mês do orgulho LGBTQIA+. O primeiro ministro húngaro reagiu por entender que a iniciativa seria uma provocação contra o parlamento do país que, uma semana antes, havia aprovado uma lei que proibia conteúdos considerados “pró-LGBT” em suas escolas. Ele acreditava que a cidade de Munique estava tentando politizar o evento esportivo. A Uefa rejeitou o pedido da cidade alemã argumentando ser uma entidade “politicamente e religiosamente neutra”. Apesar da proibição da Uefa, a bandeira do arco-íris esteve presente durante a partida. Um ativista LGBTQIA+ invadiu o gramado e abriu o símbolo de luta e resistência das, chamadas, minorias sexuais.

O lateral da seleção da Bélgica Thomas Meunier criticou a decisão da organização do torneio. Segundo ele, aqueles que decidem estariam tapando os ouvidos. O conservadorismo reiterado nesses espaços faz com que o atleta sugerisse que seus colegas de profissão homossexuais não saíssem do armário:

Eu desaconselho os jogadores de futebol gays a saírem do armário porque as pessoas são estúpidas. As mentalidades não se desenvolveram nesse assunto. Mesmo dentro de certas equipes, conheço jogadores que se recusariam a jogar com atletas homossexuais. É horrível. Então é melhor a situação ficar como está, para o bem-estar da pessoa.

Essa “neutralidade” histórica nas principais federações esportivas como o COI e a FIFA começou a ser colocada em questão com mais força a partir da década passada. Em março de 2013, a FIFA criou uma força-tarefa na tentativa de combater o racismo no futebol. Uma equipe composta por advogados, jornalistas, jogadores e outros propôs a criação de um guia de boas práticas para as federações, a criação de sistemas de monitoramento, a identificação de partidas de alto risco e a nomeação de embaixadores antidiscriminação. Em setembro de 2016, a federação desfez a força-tarefa. A entidade afirmou, à época, que seguiria atenta aos casos envolvendo racismo e discriminação. A federação foi bastante criticada, especialmente em função da Copa do Mundo de futebol de homens de 2018 que aconteceria na Rússia, país que esteve envolvido em diversos casos de discriminação racial e sexual. Não deixa de ser um tanto curioso que uma entidade “neutra” acabe alterando seu posicionamento dependendo do parceiro político e comercial da ocasião.

Durante a premiação dos melhores futebolistas de 2013, em janeiro de 2014, o então presidente da FIFA, Joseph Blatter informou que a federação ampliaria seu olhar contra ofensas de ordem sexual, conjuntamente com as de conteúdos religiosos e étnico/raciais.Até aquele momento ofensas dessas ordens já haviam implicado em sanções para clubes, torcedores e atletas. O reconhecimento da necessidade de enfrentamento a determinadas manifestações pela entidade máxima do futebol, nos permite apontar que existe um entendimento de que o dito nas praças esportivas pode, sim, ser entendido como prática de violência.

No segundo semestre de 2015, a FIFA passou a punir confederações sul-americanas e a do México por cânticos entendidos por ela como homofóbicos. Naquele momento, foram punidas, além da federação mexicana, as federações do Chile, Argentina, Peru e Uruguai. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi punida em 20 mil francos após a partida contra a Colômbia pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018, realizada no dia 06 de setembro de 2016.

Durante minha pesquisa de doutorado na Arena do Grêmio (BANDEIRA, 2017) questionei torcedores do Grêmio, alfabetizados para o torcer em outro registro, nos dias de jogos sobre a possibilidade de o clube realizar ações de combate a discriminação, especialmente a partir da colocação de uma placa em referência a Coligay no museu do clube inaugurado em princípios de 2016. Um dos torcedores apresentou uma argumentaçãoum tanto semelhante a utilizada pela Uefa na resposta a solicitação da prefeitura de Munique:

É o tipo de coisa que um time de futebol não deve se preocupar. (...) Não é uma coisa que um time de futebol, que um clube, deva se preocupar como uma questão cultural, do mundo. (...) Não é aqui o lugar. Aqui é lugar para se ver futebol, curtir futebol”.

Apesar dessa perspectiva, o Grêmio entrou em campo contra o Fluminense pela Copa do Brasil, no dia 17 de maio de 2017, dia mundial de combate a homofobia, com a frase “diversidade nos fortalece” às costas de seus jogadores. Em março de 2018, o Bahia criou o Núcleo de Ações Afirmativas do clube com o desejo e se tornar o clube mais democrático do Brasil.No início de 2019, após ser chamado de “time de veado” por um jogador adversário, o Fluminense iniciou uma campanha a favor da diversidade em sua torcida afirmando que o tricolor carioca seria o #TIMEDETODOS. O clube estampou os dizeres #TIMEDETODOS em sua camiseta, no local historicamente reservado aos patrocinadores másters, ainda não ocupado naquele momento daquela temporada.Ainda de forma um tanto tímida, os clubes parecem entender seu protago­nismo no enfrentamento as diferentes discriminações presentes em nossa sociedade. O Grêmio passou a adotar a alcunha “Clube de todos” na tentativa de construir uma imagem mais plural e inclusiva.

Em homenagem ao dia 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, Fluminense e Flamengo utilizaram camisetas personalizadas na rodada do Brasileirão. Essas camisetas ainda seriam leiloadas e os recursos revertidos para instituições sociais. O Vasco da Gama lançou uma camiseta em que sua tradicional listra diagonal recebia as cores do arco-íris. O clube ainda lançou um manifesto e destacou as ações contínuas destacando o uso do nome social dos torcedores nas carteirinhas do clube, ações de combate ao preconceito dentro do Colégio Vasco da Gama e reforçou a intenção de propor uma campanha educativa quando do retorno dos torcedores aos estádios.

O argumento da neutralidade ou de que a abordagem de problemas sociais não cabe aos clubes ou as federações de futebol não são exclusivos deste espaço. É muito comum no ramo dos negócios as corporações evitarem determinados temas para não correrem o risco de “polemizar” ou vendedores que procuram não manifestar um determinado posicionamento político ou ideológico para não perderem clientes.

Por vezes esse entendimento pode ter algum nível de legitimidade. Na maioria das ocasiões entretanto, a chamada “neutralidade” é a estratégia metodológica para a defesa do conservadorismo. Quando a Uefa proíbe uma manifestação que pretendia exaltar a população LGBTQIA+ ela não está sendo neutra. Ela só poderia ter tomado duas ações: a) aceitar o pedido; b) rejeitar o pedido. Ao rejeitar ela sublinhou um entendimento normativo que desautoriza jogadores de futebol a saírem do armário e mostrou que entre visibilizar ou invisibilizar pessoas LGBTQIA+, a entidade máxima do futebol europeu prefere invisibilizá-las. Esse sempre foi, é e continuará sendo um campo de disputas. É preciso escolher um lado. A omissão, quase sempre, reforça o lado mais forte, e muitas vezes conservador, na luta por significados.


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