Acompanho o universo infantil e escolar há mais de 35 anos, e vejo com preocupação o caminho que a infância vem tomando ( ou que os adultos vêm tomando por ela...) no desenrolar da vida.
Da minha condição de professor de Educação Física, Coordenador de Escola de Esportes, Gestor de Projetos Esportivos Sociais e Psicomotricista Clínico, observo a realidade da criança que ( não ) se movimenta.
O processo de afastamento da infância do seu próprio corpo está em curso há algum tempo, e tem consequências nocivas ao desenvolvimento sadio. A pandemia só fez potencializá-lo.
O excesso no uso das telas pela criança não é a causa, como já ouvi muito. É apenas uma consequência dessa situação.
Sabemos que a criança aprende através de experiência concreta com o próprio corpo, com o outro e com os objetos, fazendo um link entre corpo, emoção estimulando áreas do cérebro, formando sinapses.
A capacidade de raciocínio e abstração é precedida pelo concreto e corporal, onde os conceitos vão sendo vivenciados, para que sejam internalizados. Aspectos emocionais também fazem parte dessa construção, de modo a conferir significado ao que se aprende.
A neurociência nos mostra que, através do processo de poda neuronal, quando o cérebro elimina sinapses e regiões que não são utilizadas, em detrimento de outras, podemos perder as ‘janelas de oportunidade’ para estimular essas mesmas regiões. Obs: vide a aprendizagem de outro idioma.
Nesse cenário amplo, percebo que a criança contemporânea está, de certa forma, desassistida nos aspectos corporais. Esse tema não é muito considerado tanto na escola quanto nas famílias, com raras exceções.
Quem trabalha no esporte, principalmente na iniciação, vê chegar para as aulas crianças cada vez mais despreparadas do ponto de vista de coordenação motora básica. Ou seja, ela tem menos recursos, menos conexões entre o cérebro e o corpo para que avance nas aprendizagens.
Da mesma forma, é mais difícil para o professor criar situações de aprendizagem adequadas, especialmente em práticas coletivas, onde os alunos estão em diferentes estágios de desenvolvimento. A própria motivação do aluno é menor, já que ‘não consegue’ executar o básico e não tem prazer com a prática, levando ao abandono da atividad.
Nesses casos, há três possíveis situações:
1) A criança não foi adequadamente estimulada anteriormente, estando em um grau de maturidade que não corresponde aos seus pares.
+ basta corrigir o rumo das atividades, para chegar mais perto da sua condição atual, de forma promover o avanço;
2) A metodologia utilizada pela escola não é adequada para a criança, com exigências de competitividade que ela não consegue responder.
+ o aluno deve procurar outra escola, mais adequada às suas características e interesses;
3) A criança tem alguma questão mais relevante (emocional, motora, neurológica), que não permite intervenção com os recursos de uma aula de iniciação esportiva. Ou seja, não é possível conectar o cérebro ao corpo, junto com a emoção, no âmbito da aula.
+ nesse caso, a família deve procurar um especialista nessa área, o Psicomotricista, para auxiliar a criança na superação de suas dificuldades.
Além de estimular o desenvolvimento, as aprendizagens e a formação de bons hábitos para a vida, se tivermos um olhar atento para as questões corporais, é possível detectar possíveis dificuldades a tempo de minimizar ou suprimir seus efeitos.
Por fim, convido a todos os interessados no desenvolvimento sadio da infância: família, escola, escolas de esporte, clubes sociais, que tenham um olhar mais atento sobre o corpo da criança e suas respostas aos estímulos, para que siga seu curso na vida, utilizando todo o seu potencial para ser feliz.
Saiba Mais
Parabéns!!! Excelente matéria prof. Amaral.
É um crime o que fazem com ascrianças